É óbvio que nem tudo é livro, isto é, nem todas as ideias ou experiências podem se tornar livros. Editoras universitárias, na sua maioria, têm em seus estoques milhares de volumes encalhados, inclusive, alguns títulos desde muitos anos. Por quê? Especificamente, porque editoras universitárias publicam livros acadêmicos, sempre de conteúdos muito particulares, que interessam a um público restrito. Por sua vez, livreiros, por mais bem-intencionados que sejam, são comerciantes e não beneméritos da cultura ou das ciências, e não querem saber de livros dessa natureza tão particular ocupando espaços nas prateleiras de suas livrarias, espaços que podem exibir livros de interesse do público geral, especialmente as ditas readers digest.
Nos estoques das edições universitárias são encontráveis um sem-número de resultados de trabalhos ou atividades acadêmicas transformadas em livros, como relatórios de pesquisa, dissertações e teses, transcrições de palestras ministradas em simpósio, coletâneas de artigos pluriautorais de pesquisadores de uma mesma área. Ora, uma pesquisa pode ser da mais alta qualidade, uma tese ou dissertação podem ter sido objeto dos maiores elogios da banca, um simpósio pode ter sido um sucesso inclusive pelo notório saber dos conferencistas e um grupo acadêmico de pesquisa temática pode elaborar artigos da melhor qualidade. Mas isso não significa, absolutamente, que tais trabalhos possam constituir livro. Primeiro que só se justifica a impressão de um livro se presumivelmente estimar-se, sem autoengano, para sua leitura um número expressivo de criaturas, e não cinquenta ou sessenta leitores. O argumento bem-comportado e bonitinho de que é responsabilidade das editoras acadêmicas veicular o conhecimento é alegação imperfeita, meia verdade. É inadmissível que o distinto contribuinte banque descalabros editoriais que acabem por restar nos estoques das universitárias. Só resta, então, ao editor-executivo e ao conselho editorial de cada editora universitária exercer responsável e plenamente suas atribuições, impossibilitando que trabalhos escritos que não se constituam livro venham a sair do prelo para permanecerem ad aeternum num depósito.
Como disse o argentino Jorge Luiz Borges, um livro só existe se for aberto e houver um olho que o leia; caso contrário, será apenas objeto físico com aspecto do que se chama livro, mas incapaz de ser transitivo de ideias.
Carlos Alberto Gianotti, 68 anos, é Editor-executivo da Editora UNISINOS, RS, há 22.
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